terça-feira, 29 de maio de 2012

Os desafios do financiamento à cultura no Brasil


Um novo mecenato vem ganhando força no Brasil, por meio de sistemas de financiamento e construção de conhecimentos coletivos, que permitem o fortalecimento e a ascensão da classe criativa. No lado da indústria, o entretenimento no Brasil é o que mais cresce no mundo, mas ainda canaliza a maior parte dos ganhos para as franquias e conglomerados internacionais.
O Projeto de Lei que substitui a Lei Rouanet pelo Procultura tem um novo texto, desenvolvido pelo deputado Pedro Eugênio (PT/PE), relator da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, onde o PL tramita, antes de chegar ao Senado e à sanção presidencial.
O novo projeto aposta no modelo consagrado pela Lei Rouanet. O proponente inscreve seu projeto, o Ministério da Cultura aprova e uma empresa patrocinadora destina a ele parte do seu Imposto de Renda, em busca de retorno de imagem. Com as novas regras pretende-se destinar a renúncia para aquilo que é mais estratégico em termos de estruturação do mercado cultural brasileiro, além da manutenção do patrimônio e de equipamentos e organizações culturais que cuidam estruturalmente da política cultural brasileira.
Venho há algum tempo defendendo a substituição do modelo de gestão por projetos para a gestão por negócios. Em vez de inscrever uma peça de teatro, uma companhia precisaria apresentar seu plano de negócios e o custeio para a execução de um ano de trabalho. Em vez de fazer um projeto de CD, o músico faria um plano de carreira, apresentando tudo o que ele precisaria para desenvolver o seu trabalho durante 12 meses. Essa modalidade já existe hoje para centros culturais e organizações sem fins lucrativos. E funciona!
Além do aspecto “educativo”, que induz o artista a pensar a longo prazo, reduziríamos a burocracia (um plano no lugar de vários projetos) e aumentaria a capacidade de negociação do artista com o investidor, que pode oferecer entregas de acordo com interesses comuns entre proponente e empresa, saindo do lugar comum da visibilidade de marca, dada apenas aos grandes espetáculos.
Com estímulo ao empreendedorismo criativo, o Procultura busca dar mais acesso e gerar condições de sustentabilidade para toda uma gama de novos agentes provenientes da nova classe média, adequando-se às demandas e necessidades culturais da sociedade contemporânea, em pleno processo de transformação, sobretudo pela convergência digital e as mudanças de comportamento em relação aos usos e consumos de cultura.
O que se observou no PL do deputado Pedro Eugênio foi uma busca por maior equilíbrio entre o “mecenato”, mecanismo de renúncia fiscal concedida pela Lei Rouanet, responsável por selar a parceria da indústria cultural com as empresas patrocinadoras, e o investimento estatal direto, capaz de dar volume e substância à formação do cidadão brasileiro, em sua maioria alijado do processo cultural formal, aquele adquirido por meio de visita frequente a livros, discos, cinema, teatro, biblioteca, exposição ou centro cultural.
O papel que o Estado desempanha em relação à cultura diz muito sobre o projeto de desenvolvimento do país. Largar a produção simbólica, a construção de significados e meios de difusão cultural de uma sociedade nas mãos do mercado é dar ao poder econômico o giz que contorna a ética, a moral e os modos de vida do cidadão e de toda a sociedade. Por outro lado, controlar a produção cultural, escolhendo o que deve e o que não deve ser produzido, significa deixar a produção cultural mais suscetível aos contornos ideológicos dos governantes de plantão.
Para que isso não ocorra é preciso investir numa política de Estado, à luz do que determina a Constituição Federal. O Estado forte tem mais poder de regular o mercado, tem investimentos disponíveis para a infraestrutura, entrega serviços culturais de qualidade, desenvolve pesquisa e inovação, consegue desatar os nós da distribuição e circulação de conteúdos, além de dedicar tempo e recursos à sua herança cultural, tangível e intangível.
Não acredito que o Procultura vá resolver um dilema tão profundo, tampouco solucionar os grandes problemas crônicos da política cultural brasileira. Mas pode atualizar a legislação, minimizar os efeitos concentradores do financiamento à cultura no Brasil, que transfere dinheiro de todos nas mãos de poucos, e potencializar a classe criativa, sobretudo em sua relação simbiótica com a nova Classe C, ávida por conhecimento.
Trata-se de um caminho intermediário, enquanto o Estado não acorda de vez para a relevância estratégica da cultura para a formação do cidadão brasileiro do futuro. E a política cultural não é reconhecida como um caminho para construir uma sociedade mais justa, crítica, inteligente, livre, democrática, participativa. Para um Brasil contemporâneo, preparado para os desafios da globalização.
O Procultura pode ser a ponte possível entre o desmanche neoliberal provocado por Collor e o compromisso assumido pela esquerda, de preservar e promover a nossa rica diversidade criativa.


Leonardo Brant http://www.brant.com.br
Consultor e pesquisador cultural. Autor do livro "O Poder da Cultura". Diretor do documentário Ctrl-V. Editor deste Cultura e Mercado. Presidente da Brant Associados e fundador do Cemec. Idealizou e coordena a plataforma Empreendedores Criativos. Para mais artigos deste autor clique aqui


Fonte: http://www.culturaemercado.com.br

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